Elio
Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Elio

Pixar vai ao infinito e além com Elio, emocionante (e segura) ficção científica

por Diego Souza Carlos

Quem nunca olhou para os céus e se perguntou se em toda essa imensidão azul existem outros seres que poderiam fazer companhia para nós, habitantes do planeta Terra? A dúvida pode dar abertura para um mergulho profundo nos conceitos mais abstratos da ficção científica, mas quando esse questionamento está atrelado a sentimentos tão humanos, existem outras coisas para se investigar. É seguindo essa trilha que Elio, novo filme da Pixar, se posiciona em uma constelação recheada de sucessos.

A trama acompanha um menino de 11 anos extremamente sonhador, artístico e criativo. Sua dificuldade em se encaixar o torna um garoto solitário, mas muito imaginativo. Sua fascinação pelo espaço e sua obsessão por aliens e vida fora da Terra acabam o levando por engano para Comuniverso, um reino onde opera uma organização interplanetária que abriga representantes de múltiplas e diferentes galáxias.

A aventura dos sonhos de Elio começa e rapidamente ele é confundido pelas criaturas como o embaixador e líder da Terra. A partir daí, o menino precisa superar confusões e crises intergalácticas, formar laços com vidas alienígenas e descobrir quem ele realmente é e qual é o seu verdadeiro destino.

Elio é um pouco da criança que todos nós já fomos um dia

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É difícil começar a falar de Elio sem citar alguns pontos. Inicialmente, o filme teria uma abordagem mais obscura - pelo menos é o que o primeiro material de divulgação indicava -, porém, após ser adiado, foi reformulado para, provavelmente, deixar a trama mais palatável ao público infantil. Isso se traduz muito bem no visual extremamente colorido e nas decisões criativas dessa aventura intergaláctica. Uma vez que não sabemos como a história seria, nos atemos ao que ela é de fato: uma honesta e bonita jornada de um garoto que precisa lidar com a solidão.

Elio, que acaba de perder seus pais, agora vive com a sua tia Olga. Enquanto ambos tentam lidar com a perda à sua maneira - ele criando um hiperfoco pelo universo e ela mergulhando cada vez mais na vida militar -, os dois ainda precisam desenvolver uma nova relação familiar. Tal dinâmica é um dos cernes da animação, que, embora não se aprofunde no tema luto de maneira óbvia, opera de maneira contínua para demonstrar como essa situação pode afetar a vida de uma pessoa.

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Com ressalvas em relação à premissa, Elio é a criança que todos nós já fomos um dia em alguma instância: ele sente uma solidão que não consegue explicar, anseia pelo pertencimento de maneira tão angustiante que, uma vez que outros meninos não conseguem entender o seu jeito peculiar, acredita que a única solução é fugir dali rumo às estrelas.

Como um estúdio que sabe muito bem trabalhar com assuntos delicados, como exclusão, identidade, legado, luto e múltiplas adversidades, o projeto foca na construção do personagem-título de maneira respeitosa: ele é adorável, erra tentando acertar com constância genuína, mas gera identificação através da energia e da pureza natural de alguém que está aprendendo a viver. Afinal, é um garoto de 11 anos que acabou de perder seu porto-seguro.

A colorida ficção científica da Pixar

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Uma vez que Lilo & Stitch nos apresente um experimento extraterrestre chegando na Terra e causando um verdadeiro pandemônio, Elio é o oposto: um humano é abduzido por uma organização intergaláctica e acaba responsável por cooperar na solução de uma crise. Os filmes andam de mãos dadas quando pensamos em como os protagonistas se sentem excluídos em seu próprio ambiente e uma amizade selada entre dois seres completamente distintos nos leva ao coração de ambas as histórias. No entanto, o longa de 2025 tem outras ambições.

Com um software chamado Luna, um conjunto de ferramentas que possibilita o trabalho de luz (e consequentemente coloração) em estágios iniciais da animação, o filme ganhou um aspecto visual deslumbrante. O Comuniverso é a manifestação de um sonho para qualquer criança que imagine um complexo de civilizações alienígenas trabalhando juntas. Há tecnologia de ponta, criaturas em formatos variados, com dinâmicas diferentes e a inclusão, sempre muito bem-vinda, de um tradutor universal.

Vejam que a ponte sci-fi poderia ser o que distancia Elio do filme que ganhou um remake em 2025. Porém, infelizmente, as oportunidades de se desdobrar nas possibilidades mais malucas da ficção especulativa não são tão ousadas quanto a proposta. Até é possível ver uma variedade interessante de alienígenas e equipamentos, mas a preocupação está em dar ritmo à aventura, portanto temos apenas vislumbres sobre essas comunidades.

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Dito isso, seria injusto não citar referências que, ao menos, fazem esse sci-fi lúdico brilhar: a nave espacial que viaja entre meteoros, a alusão ao clássico Alien - O Oitavo Passageiro no terceiro ato do filme, clones e um vilão que parece ter saído de Buzz Lightyear do Comando Estelar, desenho animado dos anos 2000 que levou o personagem de Toy Story ao 2D.

E se falamos em diferentes gêneros, é preciso também elogiar o flerte com o terror nas cenas do acampamento, um contraste ao visual espacial extravagante, e também o humor que vai tanto pelo caminho físico quanto pelo absurdo - com direito a piadas sutilmente mais adultas. O drama, no entanto, é o que se sobressai entre todos eles, e é justamente nesse aspecto em que Elio se destaca.

Pixar joga no seguro com Elio, mas isso não previne lágrimas e fortes emoções

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Desde os seus primeiros projetos, a Pixar tem a emoção construtiva em seu DNA. O que isso quer dizer? O estúdio consegue elevar qualquer história, de maneira criativa, com tramas que não são tocantes pelo bel prazer de fazer as lágrimas brotarem na audiência - daqueles tipos de narrativas que parecem estar o tempo todo cutucando o público com algum recurso emotivo sem grandes fundamentos narrativos. Na maioria de suas histórias, a empresa zela pelo desenvolvimento para (o infinito e) além da superfície.

Os primeiros minutos de Up - Altas Aventuras são uma demonstração de como construir tais histórias não necessita de muito tempo, mas toda a abertura nos leva ao final do filme, com o protagonista finalmente abrindo o coração depois de anos de luto. O arco do vilão em Toy Story 3, a crise saudosista que abala uma família em Os Incríveis, o dilema entre abraçar o amor e seguir a tradição da família em Elementos ou a construção de uma amizade em meio à turbulência da autoaceitação em Luca são apenas alguns exemplos.

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Ao trilhar o próprio caminho, Elio é resultado de quase 30 anos de histórias poderosas da Pixar. Não é tão inventivo quanto poderia e utiliza uma estrutura já vista milhares de vezes, mas há um cuidado em fazer uma aventura com tudo o que popularizou o estúdio e universalizou tramas com pessoas de todas as idades. Sua veia dramática segue por 3 vias: a relação do garoto com a tia, a luta contra a solidão e o luto e uma amizade improvável que o apresenta ao sentimento mais genuíno que uma pessoa pode ter: a empatia.

Vale destacar que, em conjunto dessa jornada emocional, o arco de Glordon e Grigon é tão fascinante quanto o de Elio e Olga, já que ambas as crianças enfrentam o desafio de serem reconhecidas por quem realmente são, enquanto seus responsáveis tentam criá-las lidando com as exigências da vida adulta.

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Em determinado trecho do filme, um personagem fala "Eu talvez não te entenda, mas eu te amo", e talvez essa cena seja o suficiente para condensar o poder narrativo da Pixar em Elio. A grandiosidade visual é, sim, estonteante, mas nada seria impactante se não fosse possível conectar o que vemos ao que sentimos. Por sorte, essa aventura consegue fazer essas pontas se conectarem a partir de um personagem imperfeito, adorável e identificável, pois todos nós já sentimos um vazio insuportável a ponto de procurar respostas nos lugares mais improváveis.

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